Não entender o que o outro quer comunicar é a maior causa do não seguimento de tratamentos, e distorção da informação
A expressão que poderia ter tido sua graça em algum período da história (embora eu tenha alguma dificuldade em entender em qual), hoje em dia só traz desconforto e malefícios. Não entender o que o outro quer comunicar é a maior causa do não seguimento de tratamentos, e distorção da informação, que leva à criação de mitos e explicações fantasiosas que justificam os mais diversos percursos terapêuticos, geralmente distantes do que foi pensado pelo médico.
Hoje se especula sobre a função do profissional de saúde num ambiente onde a tecnologia pensa por nós e a máquina faz por nós, mas me parece que exatamente nessa tradução recai nossa maior responsabilidade. Os seres humanos ainda acreditam e seguem mais os conselhos de quem tem empatia do que de oráculos digitais. O desafio maior é criar essa empatia, e como ensinar tal arte eminentemente humana.
Sabemos que metade da explicação dada ao paciente se perde quando o mesmo atravessa a porta do consultório. Aplicativos relembram horários de remédios, retornos reforçam a necessidade do tratamento, mas nas doenças silenciosas (que infelizmente incluem a maioria das degenerações em estágio inicial) é de se esperar que o doente esqueça a pertinência da medicação preventiva, e volte a lembrar quando o dano (muitas vezes irreversível) está instalado.
Nesse momento temos dezenas de mensagens sendo filtradas em nosso e-mail sem saber, e agradecemos por isso. Não queremos saber o que não precisamos saber. A curadoria dos fatos é fundamental para que sobre algum tempo de criação e desfrute de vida, senão ficaríamos o dia todo (e noite também) absorvendo dados “just in case”.
O mesmo mar de conhecimento é apresentado ao médico, que teoricamente absorve e aprende a processar retirando conhecimento aplicável a situações clínicas e cirúrgicas. Uma das críticas ao ensino baseado em problemas (PBL) é exatamente a menor profundidade alcançada no conhecimento das condições humanas. Amplifica-se a correlação ao custo de menor completude, que se supõe poder ser adquirida em estágios posteriores da formação (contínua) do médico. O ensino tradicional prioriza os fatos segmentados, apresentados em detalhes, e por vezes não dá pertinência aos mesmos, deixando os estudantes sem entender bem o porquê estão estudando tal ou qual assunto. Um equilíbrio entre os dois métodos deve ser a solução (sempre temporária) para um médico “iluminado” e “iluminador”. Não basta saber muito se não se sabe juntar as peças. Não basta juntar muito bem as peças e ter dificuldade em achá-las ou construí-las. A manipulação da informação é a arte que vai sobrar aos homens.
Faz então parte da responsabilidade dos educadores e médicos (que em última instância educam os pacientes) dominar a absorção e transmissão. Os líderes atuais são os que mais rapidamente absorvem novidades, dando contexto e aplicação à inovação. Os líderes do futuro serão os que conseguirem retirar o ruído das conversas. Sem garranchos, sem suposição. Letra clara, sem ambiguidades.
Embora me pareça ser em parte natural de algumas pessoas essa facilidade na transmissão de conceitos, simplificando o complexo, penso que técnicas e prática aumentam muito a eficiência dessa “transação” entre conceitos. O uso de metáforas é poderoso, e trazer situações reais e cotidianas para a relação médico-paciente frequentemente serve para aumentar o tempo de retenção da informação e diminuir interpretações próprias das palavras do médico. A córnea é o vidro do relógio, retina é a tela do cinema, baixo contraste é abrir a janela enquanto se vê televisão.
Modelos didáticos em plástico e filmagens/fotografias do próprio exame do paciente ajudam a concretizar conceitos tão abstratos como “opalescência do cristalino”, “ceratocone” e “lentes intraoculares multifocais”. Animações também podem e devem ser usadas, mas com a presença do médico, que interfere e esclarece o que se aplica ao caso específico do paciente.
Um dos meios de se ensinar urbanismo é levar os estudantes aos locais onde aconteceram os fatos históricos e as construções. São os “safáris” urbanos, que dão significado e apreensão da intervenção. Despersonalizar as explicações, generalizando situações clínicas, vai na contramão dessa estratégia de sucesso. Cada caso é um caso sim, e mesmo em 15 minutos é possível a individualização do contato com o paciente, que no final das contas leva à empatia desejada. Cabe estar atento e focalizado no paciente à nossa frente. Sem olhar para a tela do computador (e nossos prontuários eletrônicos obsoletos na forma) ou ouvir a agitação na sala de espera.
Menos, provavelmente é mais, e o desafio de sumarizar todas as opções disponíveis, porque escolher uma ou outra pode significar restringir a capacidade de escolha do próximo, é premente.
Perguntar diretamente o que o paciente entendeu, ou ter uma segunda checagem fora da sala de consulta é estratégia válida. Encorajar segundas opiniões, que na maioria dos casos corroboram a primeira, e reiterar informações em retornos, principalmente em diagnósticos de alterações crônicas ou que levem a intervenções mais radicais, também funciona. Falar a mesma língua do paciente, o que inclui gírias da idade sem o ridículo do exagero, e procurar pontos de coincidência, como pessoas ou lugares em comum, são também opções.
Leia a matéria completa na minha coluna na Universo Visual