
O conceito de idade óptica é apresentado aqui como uma métrica simplificada que busca avaliar a transparência do cristalino ao longo do tempo. Ele não pretende descrever todas as características morfológicas e ópticas do sistema ocular humano, uma vez que essa análise completa é uma tarefa complexa e objeto de pesquisa de diversos grupos. Esses estudos envolvem a avaliação de curvaturas, índices de refração, aberrações ópticas e dispersão luminosa das lentes intraoculares, além dos princípios de refração da luz e interferência óptica.
A perda de nitidez de uma imagem pode ocorrer por refração, difração ou dispersão da luz. Atualmente, há equipamentos complexos capazes de detectar pontualmente as aberrações ópticas (tradução de variação da refração no espaço tridimensional), diferenciando-as em cada ponto do sistema óptico, seja ele córneo ou cristalino. Além disso, existem tecnologias avançadas que identificam e qualificam a dispersão luminosa causada pelo cristalino ou mesmo lentes intraoculares difrativas refrativas em diferentes pontos do trajeto óptico. Também dispomos de dispositivos que medem a dispersão provocada por lentes (straylight), que são complexos e difíceis de interpretar. Diante disso, a forma mais simples e amplamente utilizada para avaliar a qualidade visual continua sendo a medida de acuidade visual em alto contraste, relatada pelo paciente.
Para compreender a degradação óptica ao longo do tempo, é necessário excluir fatores neurais, como os relacionados à retina e ao nervo óptico, e focar nas lentes, especificamente a córnea (que pouco se altera) e o cristalino, nossa lente natural que sofre modificações progressivas. Ao nascimento, o cristalino é altamente transparente, maleável e composto por fibras elásticas e proteínas organizadas de maneira cristalina, permitindo que a luz seja focalizada corretamente na mácula. Com o passar dos anos, ele perde elasticidade e transparência devido à degradação estrutural das proteínas, o que aumenta a dispersão luminosa e compromete a qualidade da imagem.
Esse processo hoje é marcado por dois eventos principais: a presbiopia, que ocorre por volta dos 40 a 45 anos e se caracteriza pela perda de acomodação, e a catarata, que surge em torno dos 65 a 70 anos, quando a opacidade do cristalino atinge um nível significativo, reduzindo a acuidade visual. A piora progressiva na qualidade da visão impacta diretamente a qualidade de vida dos pacientes. Embora a progressão da opacidade do cristalino seja lenta e contínua ao longo da vida adulta, existem há muitas décadas formas eficazes de minimizar a perda de acomodação com lentes adequadas para cada idade e necessidade profissional, permitindo ajustes progressivos para a visão de perto.
No entanto, a principal dificuldade na prática clínica é quantificar e correlacionar essa opacificação com a perda funcional da visão. Isso ocorre porque a opacidade do cristalino progride lentamente, tornando-se evidente para o paciente apenas em fases mais avançadas. Muitas vezes, por volta dos 55 ou 65 anos, já ocorre uma desnaturação significativa das proteínas do cristalino, levando a queixas de baixa qualidade de visão, mesmo havendo medida dita “normal” da acuidade visual em alto contraste.
Nos encontramos hoje com conceitos como “disease interception”, ou mesmo a clássica medicina personalizada, que pode dar atenção para estágios muito mais precoces, não somente pela tecnologia diagnóstica como terapêutica, mormente cirúrgica. Há formas de atuar antes que essa degradação se torne severa, prevenindo impactos negativos na visão.
A avaliação da opacidade do cristalino pode ser guiada por queixas subjetivas dos pacientes, como dificuldades em ambientes de baixo contraste, ofuscamento sob luz intensa, piora da visão ao entardecer e dificuldades de leitura sob iluminação reduzida (por exemplo, ler um cardápio de restaurante com pouca luz). Frente a essas queixas, nos colocamos em um local diagnóstico difícil, uma vez que não se caracteriza o paciente como tendo uma catarata declarada (com baixa visão em alto contraste, percebida como limitante de atividades diárias), e nem uma lente transparente, passível de exercer sua performance completa com correções ópticas como óculos ou lentes de contato.
O conceito de Idade Óptica busca trazer para o cenário linear (e não somente catarata ou não catarata), os graus de opacidade do cristalino, e correlacionar a perda da função visual, com a idade cronológica dos pacientes.
A partir da quantificação da dispersão luminosa, deve ser possível comparar a perda de contraste e fenômenos como halos, do cristalino em processo de opacificação, com características ópticas mensuradas laboratorialmente, de implantes intraoculares.
A determinação da Idade Óptica provavelmente será melhor entendida pelo paciente, e explicada pelos médicos, do que a complexa miríade de fenômenos ópticos que acompanham a opacificação progressiva das lentes. A partir desse entendimento crítico, deverá ser mais transparente e consensual a escolha de opções atualmente disponíveis para minimizar o efeito do envelhecimento óptico ocular.
Atualmente, as lentes intraoculares evoluíram significativamente, oferecendo múltiplas distâncias focais e reduzindo efeitos colaterais, como halos ao redor de luzes. Apesar das vantagens, a cirurgia de substituição do cristalino tem riscos, especialmente em pacientes alto míopes, homens e mais jovens. O procedimento aumenta a chance de complicações, como o descolamento de retina, em todos os pacientes, particularmente nesse grupo. Por essa razão, as trocas de cristalino hoje são reconhecidas como rotinas médicas pelos órgãos de controle, para pacientes acima de 55 anos com hipermetropia superior a 1,5 graus.
A partir de uma imagem obtida por um equipamento comercialmente disponível, conseguimos obter imagens de sensibilidade que aparenta ser semelhante ao que observamos com nossos instrumentos especializados (biomicroscópio), dos graus de opacificação do cristalino. Postulamos que após o estudo piloto e validaçãodo método, seja possível prever o momento “ideal” para a cirurgia de substituição da lente.
Por exemplo, um paciente de 50 anos que tenha usado corticosteroides para tratar doenças inflamatórias pode apresentar um cristalino com características equivalentes ao de um paciente de 70 anos. Nesse caso, a cirurgia poderia ser indicada precocemente. Em contrapartida, se um paciente de 60 anos apresentar uma dispersão luminosa menor do que a das lentes intraoculares disponíveis, não haveria indicação cirúrgica apenas com base nesse critério.
O cenário mais comum provavelmente será o de pacientes acima de 55 anos, sem catarata estabelecida, mas com um cristalino cuja dispersão luminosa já é maior do que a das lentes intraoculares disponíveis. Para esses casos, a cirurgia pode ser orientada, considerando a relação entre a idade óptica do cristalino e a qualidade óptica das lentes intraoculares atuais.
Nosso objetivo é oferecer informações mais precisas para a tomada de decisão clínico-cirúrgica, tanto para médicos quanto para pacientes. Isso permitirá uma avaliação mais criteriosa e baseada em evidências, contribuindo para que a cirurgia de substituição do cristalino se torne não somente um procedimentos seguro, mas de alta satisfação (efetividade) ao redor do mundo.